7° Ano - II° Bimestre
O que é Religião?
Todos nós conhecemos a
máxima de que “religião, futebol e política não se discute”. Porém, os três
temas fazem parte de uma grande porção de nossas vidas individuais e coletivas.
A religião é, em muitos sentidos, um dos aspectos de maior influência na vida
de um indivíduo e, em se tratando do poder de ação de seus fiéis, na vida
coletiva. Embora os três assuntos sejam de grande interesse para todos nós,
neste texto, dedicar-nos-emos a definir o que é a religião.
Como definir religião?
De tantas formas, as
delimitações de nossa convivência em sociedade são definidas a partir de nossa
convivência familiar e, posteriormente, com nossa comunidade mais próxima.
Dessa forma, certos traços de nossa comunidade são interiorizados em nossa
consciência, de forma que nos tornamos capacitados para agir em nosso meio.
Isso quer dizer que aprendemos a entender a nossa realidade e dar sentido às
nossas ações, de forma que o outro com o qual nos comunicamos nos entenda. Uma
das formas que utilizamos para isso são os símbolos, que podem ser definidos
por nossas crenças ou já possuírem um sentido construído de forma mais ampla em
nossa sociedade.
Mas como isso afeta
nossa busca pela definição de religião? Para definirmos o que é uma religião,
precisamos antes entender que não podemos partir de noções individuais,
predefinidas e tendenciosas sobre a forma como se constrói a crença de um
grupo. Assim sendo, não podemos tomar as características do cristianismo, por
exemplo, como ponto de comparação sobre o que é ou o que não é uma religião.
O que não é a religião?
Precisamos antes
entender que uma religião não está necessariamente ligada a uma crença
monoteísta, isto é, a crença na existência de uma única divindade suprema. Além
disso, uma religião não está necessariamente interligada a preceitos morais. A
ideia de que os deuses estão interessados em definir o modo de comportamento
socialmente aceito não existe em várias religiões.
Não devemos também
apontar que uma religião está sempre fundamentada sobre um mito de criação do
mundo. Embora várias preocuparam-se em construir essa justificativa, não são
todas as que estão interessadas nesse aspecto.
Por fim, não podemos
definir uma religião apontando a busca pelo sobrenatural (deuses, espíritos,
fantasmas, demônios etc.) como uma das características-chave. Existem religiões
que se pautam na busca pela harmonia com o mundo e com a convivência imediata e
que não estão interessadas em entender o que está além dos nossos sentidos.
Todos esses pontos são
levantados por Anthony Guiddens*, sociólogo britânico, em sua breve definição
do que não deve ser entendido como característica-chave na definição do que é
religião. Entretanto, sua explicação também se ocupa em reunir as formas de
definição mais amplamente aceitas.
O que é a religião?
As religiões carregam
certos pontos em comum. A primeira delas é que, até onde se sabe, todas as
religiões possuem um conjunto de símbolos que remetem ou são alvos de
reverência e/ou respeito. Esses símbolos estão ligados a rituais ou cerimônias,
dos quais a comunidade de fiéis participa ativamente. Isso quer dizer que, em
toda religião, existem objetos ou ideias simbólicas que representam algo a ser
reverenciado e admirado. No Budismo, por exemplo, a imagem de Buda, ainda que
este não seja visto como uma divindade, é alvo de reverências e admiração.
Quanto aos rituais,
eles podem ser diversos e variados, cada um possuindo um significado
específico. As rezas, as canções, a abstinência de algum tipo de comida ou o
jejum, por exemplo, são rituais que carregam significado atrelado à crença
religiosa do grupo. Esses rituais fazem parte da identidade religiosa e da
construção da religiosidade dos fiéis.
Para a Sociologia, o
caráter social desses rituais é um dos aspectos de maior interesse. As comunidades
que se formam em volta das religiões variam em uma série de aspectos. Nas
comunidades mais tradicionais, a religião torna-se base para um grande número
de manifestações sociais. A arte, a música, a literatura, entre outros, são
delimitadas pela tradição religiosa nas comunidades mais intimamente conectadas
a ela. A partir disso, tiramos uma perspectiva do tamanho da influência que as
religiões possuem na vida de seus fiéis. Por isso, há um cuidado que devemos
ter ao trabalharmos com definições de religião, haja vista que não podemos ser
tendenciosos se o nosso objetivo é realmente entender esse ou qualquer outro
aspecto de nossa sociedade tão diversa.
Atividade
1.
O que é religião?
2.
O que não é a religião?
3.
Como definir religião?
"Para que serve a religião?”
À esta pergunta podem
ser dadas diversas respostas, dependendo do olhar que lançamos sobre o fenômeno
religioso. O olhar adotado neste texto é o da Sociologia, pois procura
compreender o fenômeno religioso nas suas relações com a sociedade na qual ele
se dá.
A religião é um
fenômeno que expressa as experiências mais profundas de uma pessoa humana com o
Transcendente e que não pode ser penetrado no seu âmago por um observador
externo. Ao procurarem a religião, as pessoas buscam respostas às suas
expectativas, aos seus desejos e às grandes questões colocadas pela sua
existência no mundo. Por isso, os elementos próprios da religião – símbolos,
mitos, ritos e doutrinas –, ao ressoarem na vida dos praticantes, influenciam
as suas práticas sociais e interferem na vida da sociedade. É justamente por
ter incidência sobre a vida e as práticas sociais que a religião pode ser
estudada como um objeto ao lado de outros em qualquer sociedade.
Religião: sentido e identidade
cultural
Ao explicar a vida e a
morte, o prazer e a dor, a doença e a saúde, a alegria e a tristeza, a religião
apresenta às pessoas um quadro referencial que fornece uma determinada visão de
mundo, a qual possibilita a elas dar sentido e ordem à confusão e ao caos
presentes na existência individual e social. Se a desordem existente na vida
individual e social traz angústia, a religião possibilita o enfrentamento das
diversas situações recorrendo ao Transcendente, e torna-se, portanto, produtora
de sentido para a trajetória humana.
A frase de Ribaldo Tatarana,
do Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, ilustra muito bem essa
afirmação. Ao dizer que a religião é necessária para “desendoidecer,
desdoidar”, ele está apontando para uma das funções sociais da religião:
fornecer sentido para a existência individual e coletiva e organizar, do ponto
de vista das representações humanas, o mundo e a sociedade onde as pessoas
vivem. Ao “desendoidecer, desdoidar”, a religião possibilita às pessoas e aos
grupos sociais organizar a realidade de forma ordenada, tanto do ponto de vista
pessoal quanto do social.
Outro aspecto da
religião é aquele que diz respeito à construção da identidade cultural. A
religião possibilita às pessoas e aos grupos sociais construírem a sua
identidade ou redescobrirem os elementos que permitem a sua sobrevivência
cultural. No “caldeirão” da cultura, ela ganha importância, pois toca nos
elementos mais profundos da vida que são expressos nos mitos, nos símbolos e
nos ritos. Ela faz isso sacralizando esses elementos e tornando-os intocáveis.
Assim, os grupos delimitam aqueles elementos que os diferenciam dos outros
grupos.
Apresentar as razões
que fundamentam a vida humana e dar sentido a elas, nas várias dimensões, é uma
das funções sociais da religião. Ao buscarem nas religiões o sentido ou as
razões da existência, as pessoas e os grupos sociais procuram tornar a vida
mais agradável no mundo e na sociedade. Dessa forma, exercendo essa função, a
religião pode legitimar ou criticar uma determinada forma de organização social
e, por isso, favorecer ou contrariar interesses dos diversos grupos sociais.
Manutenção ou contestação
Nesse ponto nos
referimos a outras duas funções sociais da religião: legitimação ou crítica,
manutenção ou contestação da ordem social existente. A religião pode exercer,
em momentos variados, essas funções, pois contém os ingredientes necessários
para justificar ou para questionar a vida e que fazem referência aos desejos
mais profundos, aos sonhos e às utopias humanas.
No âmbito das Ciências
Sociais, seguindo a crítica do racionalismo feita à religião, muitos autores
insistiram na função negativa da religião. Para eles, a religião, a priori, tem
a função de legitimar e justificar a ordem social existente. Um desses autores,
Karl Marx, tentou expressar essa negatividade da religião com uma frase muito
conhecida: “A religião é o ópio do povo”. (K. Marx. Contribuición a la crítica
de la filosofia del Derecho de Hegel. In: Assmann, H. e Mate, R. Sobre la
religion I. Salamanca, Ed. Sigueme, 1975, pág. 94.) Segundo ele, a religião tem
a função de alienar as pessoas e os grupos sociais das condições concretas de
sua existência, facilitando, dessa forma, a opressão e a violência por parte
das classes dominantes. No mesmo texto, porém, o próprio Marx chega a admitir a
possibilidade de a religião conter elementos de protesto contra a injustiça: “A
miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro
lado, o protesto contra a miséria real”.
A primeira posição de
Marx, entendendo a religião numa direção negativa, influenciou a maioria
daqueles intelectuais que adotaram os seus pressupostos teóricos. Isso
aconteceu porque esses intelectuais se esqueceram de examinar a religião nas
suas várias manifestações históricas, fixando-se apenas numa abordagem generalizante do fenômeno religioso. Segundo
essa posição, a religião tem a tarefa de exercer o controle sobre a consciência
individual e sobre os vários grupos sociais.
Se examinarmos a
história de muitas religiões, encontraremos as duas funções sociais de manutenção
e de contestação da ordem social existente. Isso pode ser observado no estudo
do judaísmo, em que a religião em diversos momentos foi instrumento de
dominação, mas em outros, como no caso da profecia, contestou a ordem social
existente. O cristianismo surge a partir da prática profética de Jesus Cristo,
criticando profundamente tanto a sociedade como a religião oficial do seu
tempo. O próprio cristianismo, sobretudo a partir da submissão da Igreja Cristã
ao Estado romano, no século 4°, exerceu a função de manutenção do status quo.
Na história da América
Latina, embora o cristianismo tenha exercido, predominantemente, a função
negativa, ele alimentou muitos movimentos populares de resistência e de luta
contra a dominação colonial. A partir de 1960, diversos setores das igrejas
cristãs reagiram de forma profética contra a opressão, recorrendo ao potencial
de crítica e de libertação inerente ao cristianismo.
Já na história do
Brasil, as religiões indígenas e as afro tiveram um papel fundamental na luta
contra a escravidão e pela defesa dos seus valores culturais. A preservação da
identidade cultural, em contraposição aos processos de destruição das culturas
oprimidas, encontra nas religiões um terreno fecundo.
Esses exemplos
levam-nos a olhar a religião de forma mais ampla, procurando compreendê-la nas
suas diversas contradições ao longo da História, mas também descobrindo nessas
contradições o potencial necessário para construir um mundo no qual as
diferenças sejam respeitadas e a paz deixe de ser sonho e poesia para ser o
chão onde a vida possa fecundar livremente.
RELIGIÕES DO MUNDO
RELIGIÕES HISTÓRICAS
JUDAISMO
O judaísmo é a mais antiga das quatro religiões
monoteístas do mundo e a que tem o menor número de fiéis. Ao todo são cerca de
12 a 15 milhões de seguidores. Segundo analistas, se não houvesse o Holocausto
- matança em massa de judeus, ocorrida entre as décadas de 30 e 40 no século 20
-, o número de judeus seria de 25 a 35 milhões em todo o mundo. E muitos deles
viveriam na Europa.
Atualmente, a maioria dos judeus vive em Israel e
nos Estados Unidos. Na Europa, a maior comunidade judaica encontra-se na
França. O judaísmo não é uma religião missionária, à procura de converter
pessoas. Aqueles que se convertem, no entanto, devem observar os preceitos da
Torá (a lei judaica), que incluem, entre outras coisas, a circuncisão
masculina.
Origens
O começo do judaísmo como uma religião estruturada
acontece com a transformação dos judeus em um povo influente através de reis
como Saúl, Davi e Salomão, que construiu o primeiro templo em Jerusalém. Mas em
cerca de 920 a.C, o reino de Israel se dissolve, e os judeus começam a se
dividir em grupos. Essa foi a época chamada de Era dos Profetas. Em cerca de
600 a.C, o templo é destruído e a liderança israelita assassinada.
Vários judeus foram enviados para a Babilônia.
Apesar de alguns serem autorizados a retornar a casa, muitos permaneceram no
exílio formando aí a primeira Diáspora, que significa ¿viver afastado de
Israel".
Os
pilares da fé
Segundo os judeus, existe somente um Deus,
todo-poderoso que criou o universo e tudo o que nele há. Os judeus acreditam
que Deus tenha uma relação especial com o seu povo, consolidada no pacto que
fez com Moisés no Monte Sinai, 3,5 mil anos atrás.
O local de culto dos judeus é a sinagoga. O líder
religioso de uma comunidade judaica é chamado de rabino. Ao contrário de
líderes de outros credos religiosos, o rabino não é um sacerdote e não goza de
status religioso especial.
O dia da semana sagrado para os judeus é o sábado,
ou sabat, que começa com o pôr do sol na sexta-feira e termina com o pôr do sol
no sábado. Durante esse dia, judeus ortodoxos tradicionais não fazem nada que
possa ser considerado trabalho. Entre as atividades proibidas estão dirigir e cozinhar.
Fundamentos
da Fé Judaica
Analistas definem a essência de ser judeu como
participar de uma comunidade judaica e viver de acordo com as tradições e leis
judaicas. O judaísmo é um modo de vida fortemente associado a um sistema de fé
e convicções religiosas.
O judaísmo surgiu em Israel há cerca de 4 mil anos.
Tanto o cristianismo como o islamismo - até certo ponto - derivam do judaísmo.
O judaísmo não estabelece doutrinas ou credos, mas é uma religião que segue a
torá, interpretado como a orientação de Deus através das escrituras.
Os judeus vivem sob um pacto com Deus, segundo eles,
não para benefício próprio, mas para o benefício de todo o mundo. O grande
estudioso do judaísmo Hillel (que viveu entre 70 a.C e 10d.C) resumiu assim o
significado da religião: "Não faça a seu próximo aquilo que não gostaria
que fosse feito a você. Esse é o centro da lei judaica, o resto são meras
observações".
Judeus
e fé
Os judeus acreditam que os seres humanos foram
feitos à semelhança de Deus. Obedecer a "lei" é fazer a vontade de
Deus e demonstrar respeito e amor por Deus. É por isso que judeus religiosos
seguem certas práticas espirituais sem precisar de razões extra-religiosas para
obedecer as regras.
Um exemplo para isso seria a obediência às leis
gastronômicas do costume judaico. Todos os judeus têm uma forte ligação com
Israel, que seria a terra prometida por Deus a Abraão, e à cidade considerada
sagrada de Jerusalém.
Livros
sagrados
A Torá, ou a Bíblia hebraica que é chamada pelos
cristãos de Velho Testamento, reúne especialmente os cinco primeiros livros da
Bíblia cuja autoria é atribuída a Moisés, o chamado Pentateuco. Pelo menos uma
cópia da Torá, em hebraico, é guardada em cada sinagoga em forma de pergaminho.
O Talmud, um compêndio da lei e comentários sobre a Torá aplicando a situações
contemporâneas e circunstâncias variadas.
O símbolo do judaísmo é o magen chamado de estrela
de Davi. Muitas pessoas se consideram judias sem tomar parte em nenhuma das
práticas religiosas ou até mesmo sem aceitar os fundamentos do judaísmo, mas
somente pelo fato de se identificarem com o povo judeu e por seguirem os
costumes gerais de um estilo de vida judaico.
Festivais
No judaísmo, o chanuká, o festival das luzes, é
comemorado com a preparação de tradicionais bolos de batata e muitas velas
acesas. O chanuká é interpretado hoje em dia como um símbolo da sobrevivência
do povo judeu. Panquecas de batatas, Latkes, um dos pratos preferidos para o
Chanuká.
Em países cristãos onde o Natal é a festa mais
importante no fim de ano, o chanuká tornou-se uma espécie de equivalente
judaico. É comum presentear as crianças nessa época.
Deus
e o Messias
Os judeus acreditam na existência de somente um Deus
que criou o universo e continua responsável pela sua manutenção. Segundo o
judaísmo, Deus sempre existiu e sempre vai existir. Ele não pode ser visto ou
tocado.
Entretanto, Deus pode ser conhecido através do
louvor e se pode chegar mais perto de Deus através de estudos e a prática da
fé. Deus separou os judeus como povo escolhido para servirem de exemplo para o
resto da humanidade.
Deus deu a torá aos judeus como uma guia para
obediência e uma vida santa que Ele quer que os judeus tenham. Os judeus
acreditam que "o Messias", que é uma pessoa especialmente ungida por
Deus, (o que significa particularmente enviada) um dia virá ao mundo. A chegada
do Messias vai trazer consigo uma era de paz.
Definição
de Deus
Para o judaísmo, Deus existe e é somente um. Ele não
pode ser dividido em diferentes pessoas, como se crê no cristianismo. Entre os
outros princípios dos judeus em relação a Deus, estão:
- Judeus devem adorar somente um Deus e não outros
deuses.
- Deus é transcendental, está acima de qualquer
coisa.
- Deus não tem um corpo, ou seja não é masculino,
nem feminino.
- Ele criou o universo sem ajuda.
- Deus é onipresente e onipotente.
- Deus é atemporal. Sempre existiu e sempre vai
existir.
- Deus é justo, mas também é misericordioso.
- Ele é um Deus pessoal e acessível. Deus se
interessa por cada um individualmente, ouve a todos individualmente e fala com
as pessoas das mais diferentes e surpreendentes formas.
CRISTIANISMO
Muitas
doutrinas cristãs diferenciadas entre si surgiram desde as primitivas
comunidades cristãs. A origem destas comunidades deu-se em plena expansão do
Império Romano. Como o Imperador romano era também a figura religiosa máxima do
Império, quaisquer seitas eram prejudiciais ao seu poder absoluto. Desta forma,
as comunidades cristãs deste período foram perseguidas. No entanto, mais tarde,
o Império Romano adotaria as crenças cristãs como sua religião oficial,
ocorrendo assim a fundação da Igreja de Roma. A partir desta, originaram-se as
diversas doutrinas cristãs.
Com
a excomunhão do Patriarca de Constantinopla pelo Papa, em 1054, gerou-se um
cisma e, como consequência, a fundação de uma outra doutrina, a Igreja
Ortodoxa, cuja concentração de fiéis localiza-se mais ao leste europeu e
porções centrais ao longo do continente asiático. Por outro lado, séculos mais
tarde, a Reforma, desencadeada por Martinho Lutero, foi um movimento de
contestação aos preceitos religiosos e à própria organização clerical católica.
Assim, surgiram diversas doutrinas, sob a ordem do protestantismo. Ao longo dos
tempos, foram várias as religiões originadas a partir desta ramificação (Igreja
Luterana, Igreja Metodista, Igreja Presbiteriana, Igreja Anglicana etc.).
O marco fundamental da
origem do cristianismo refere-se ao nascimento de Jesus Cristo. Uma série de
feitos miraculosos são vinculados à figura de Jesus. Neste período, a
disseminação da religião pelas camadas mais populares deveu-se à dedicação nas
pregações realizadas pelos doze apóstolos de Cristo (André, Bartolomeu, Felipe,
Tiago, Tiago filho de Alfeu, João, Judas Iscariotes, Judas Tadeu, Mateus,
Pedro, Tadeu e Tomás). Mas a grande expansão cristã deu-se,
séculos mais tarde, com a própria expansão colonial dos povos cristãos europeus
colonizadores, que levaram a fé cristã para além-mar, no período das Cruzadas.
No Brasil, a fé cristã foi trazida inicialmente pelos primeiros catequizadores
da Companhia de Jesus.
O
calendário internacional toma o nascimento de Jesus Cristo como marco
referencial para a contagem dos anos. As datas cristãs comemoradas são o Natal
(nascimento de Jesus Cristo), o Dia de Reis, a Quaresma e a Páscoa. A Ascensão
e os Pentecostes também constituem datas comemorativas, embora sejam mais
difundidas apenas entre os seguidores de algumas das doutrinas originadas do
Cristianismo.
A
Bíblia Sagrada, constituindo a obra central para o Cristianismo como um todo,
encerra as ideias fundamentais da crença. O Cristianismo baseia-se na crença
monoteísta, ao contrário das crenças contemporâneas à sua origem. Segundo a
religião, Deus é o criador de todas as coisas no Universo, tendo criado o mundo
em sete dias (Gênese). As religiões cristãs preconizam o amor a Deus e ao
próximo, conforme os ensinamentos de Jesus. Acredita-se na ressurreição de
Cristo e é estabelecido o conceito da Santa Trindade, em que Deus é o pai,
Jesus Cristo o filho, e o Espírito Santo a presença contínua de Deus na Terra.
ISLAMISMO
A
religião islâmica e o profeta Maomé
O
homem responsável pela mudança da vida do mundo árabe foi o Profeta Maomé (570
- 632 d.C.) Ao fundar o islamismo, Maomé ajudou a fundar e moldar uma nova
sociedade, com crenças e costumes que serviriam para unir povos de diferentes
origens. Tendo suas origens na Arábia, onde viveu e pregou o Profeta Maomé, seu
fundador, o islamismo está intimamente relacionado à cultura árabe. O Corão ou
Alcorão - livro sagrado dos muçulmanos, que de acordo com o islamismo foi
revelado por Deus ao seu profeta Maomé - está escrito em árabe. Até hoje, o
elemento árabe é muito importante no Islã, embora atualmente só uma minoria de
muçulmanos é árabe, já que o islamismo está amplamente difundido em várias
regiões da África e da Ásia.
Maomé,
o Profeta, acreditava ser instrumento de Deus, enviado aos árabes para
ensinar-lhes o caminho da salvação. Maomé atacou com veemência o politeísmo dos
árabes, pois acreditava num só Deus, Criador e Juiz. Estava convencido de que
havia sido escolhido como profeta para trazer aos árabes uma nova religião, que
passou a ser chamada de Islã ou islamismo. A palavra significa
"submissão", já que em árabe significa "render-se a Alá"
(Alá é a palavra árabe para Deus). Os seguidores do islamismo eram chamados de
muçulmanos, isto é, "aqueles que se submetiam a Deus".
Entre
os ensinamentos que o profeta transmitiu aos seus seguidores está um rígido
código moral e ético, que inclui alertas e proibições. Entre as principais
proibições estão: a ganância e a desonestidade nos negócios, os jogos de azar,
bebidas alcoólicas e o consumo de certos alimentos proibidos, assim como
casamentos com não-muçulmanos.
Maomé
é o principal profeta do Islã e esta ideia está resumida em sua declaração de
fé: "Não há Deus senão Alá e Maomé é seu Profeta". A religião
islâmica considera Moisés e todos os outros profetas hebreus, bem como Jesus,
como "mensageiros da palavra Divina". Mas afirmam que Maomé foi o
último e o maior de todos os profetas. Acreditam que o islamismo é uma
continuação dos ensinamentos judaicos e cristãos. Originalmente Maomé se
considerava parte da comunidade judaico cristã, mas aos poucos foi-se
distanciando dessa ideia. Apesar de sua absoluta centralidade como profeta, em
nenhuma circunstância a religião islâmica cultua a figura de Maomé.
Corão ou Alcorão
O
Alcorão é o livro sagrado da religião islâmica e a palavra quer dizer
"recitação".
Segundo
a tradição muçulmana, o Alcorão é a Palavra de Deus: uma série de revelações de
Alá (Deus) a Maomé, seu Profeta. Portanto, é o centro da vida religiosa
islâmica, comparável à Torá dos judeus ou ao Novo Testamento cristão. Ainda
segundo a religião islâmica, são Revelações Divinas que não devem ser
questionadas nem modificadas, sendo proibida até mesmo a sua tradução.
Os
muçulmanos têm cinco obrigações religiosas básicas chamadas de "os cinco
pilares do Islã": são cinco obrigações (arkan) que constroem a fé e cuja
realização é dever de todo muçulmano.
Credo
(chahada) -Aceitar e repetir todos os dias: "Não há outro Deus a não ser
Deus e Maomé é o seu profeta".
Oração
(salat ) -Realizar cinco orações diárias, em horários predeterminados,com o
rosto voltado para Meca.
Caridade
(zacat) -Os muçulmanos devem ser generosos com os mais necessitados.
Jejum
(saum) -Durante os 40 dias do mês do Ramadã, o nono mês do calendário islâmico,
é obrigado jejuar do nascer do sol até o pôr do sol.
Peregrinação
a Meca (haj) - Ao menos uma vez na vida, todo muçulmano adulto que dispõe de
meios de realizar uma peregrinação a Meca, deve fazê-lo.
HINDUISMO
Principal
religião da Índia, o Hinduísmo é um tipo de união de crenças com estilos de
vida. Sua cultura religiosa é a união de tradições étnicas. Atualmente é a
terceira maior religião do mundo em número de seguidores. Tem origem em
aproximadamente 3.000 a.C na antiga cultura Védica.
O
Hinduísmo da forma que o conhecemos hoje é a união de diferentes manifestações
culturais e religiosas. Além da Índia, tem um grande número de seguidores em
países como, por exemplo, Nepal, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Indonésia.
Crenças principais
Aqueles
que seguem o Hinduísmo devem respeitar as coisas antigas e a tradição;
acreditar nos livros sagrados; crer nas divindades; persistir no sistema das
castas (determina o status de cada pessoa na sociedade); ter conhecimento da
importância dos ritos; confiar nos guias espirituais e, ainda, acreditar na
existência de encarnações anteriores.
O
nascimento de uma pessoa dentro de uma casta é resultado do karma produzido em
vidas passadas. Somente os brâmanes, pertencentes as castas
"superiores" podem realizar os rituais religiosos hindus e assumir
posições de autoridade dentro dos templos.
Divindades do Hinduísmo
Os
hindus são politeístas (acreditam em vários deuses). São os principais: Brahma
(representa a força criadora do Universo); Ganesha (deus da sabedoria e sorte);
Matsya (aquele que salvou a espécie humana da destruição); Sarasvati (deusa das
artes e da música); Shiva (deus supremo, criador da Ioga), Vishnu (responsável
pela manutenção do Universo).
RELIGIÕES DO ORIENTE
BUDISMO
O budismo não é só uma religião, mas também um sistema ético e
filosófico, originário da região da Índia. Foi criado por Sidarta Gautama (563?
- 483 a.C.?), também conhecido como Buda. Este criou o budismo por volta do
século VI a.C. Ele é considerado pelos seguidores da religião como sendo um
guia espiritual e não um deus. Desta forma, os seguidores podem seguir
normalmente outras religiões e não apenas o budismo.
O
início do budismo está ligado ao hinduísmo, religião na qual Buda é considerado
a encarnação ou avatar de Vishnu. Esta religião teve seu crescimento
interrompido na Índia a partir do século VII, com o avanço do islamismo e com a
formação do grande império árabe. Mesmo assim, os ensinamentos cresceram e se
espalharam pela Ásia. Em cada cultura foi adaptado, ganhando características
próprias em cada região.
Os ensinamentos, a filosofia e os
princípios
Os
ensinamentos do budismo têm como estrutura a ideia de que o ser humano está
condenado a reencarnar infinitamente após a morte e passar sempre pelos
sofrimentos do mundo material. O que a pessoa fez durante a vida será
considerado na próxima vida e assim sucessivamente. Esta ideia é conhecida como
carma. Ao enfrentar os sofrimentos da vida, o espírito pode atingir o estado de
nirvana (pureza espiritual) e chegar ao fim das reencarnações.
Para
os seguidores, ocorre também a reencarnação em animais. Desta forma, muitos
seguidores adotam uma dieta vegetariana.
A
filosofia é baseada em verdades: a existência está relacionada a dor, a origem
da dor é a falta de conhecimentos e os desejos materiais. Portanto, para
superar a dor deve-se antes livrar-se da dor e da ignorância. Para livrar-se da
dor, o homem tem oito caminhos a percorrer: compreensão correta, pensamento
correto, palavra, ação, modo de vida, esforço, atenção e meditação. De todos os
caminhos apresentados, a meditação é considerado o mais importante para atingir
o estado de nirvana.
A
filosofia budista também define cinco comportamentos morais a seguir: não maltratar os seres vivos, pois eles são
reencarnações do espírito, não roubar, ter uma conduta sexual respeitosa, não
mentir, não caluniar ou difamar, evitar qualquer tipo de drogas ou
estimulantes. Seguindo estes preceitos
básicos, o ser humano conseguirá evoluir e melhorará o carma de uma vida
seguinte.
CONFUNCIONISMO
O
Confucionismo é a ideologia religiosa e sociopolítica de Koung Fou Tseu, que
tem seu nome grafado em língua latina como Confúcio. Entre os princípios do
Confucionismo, o principal é conhecido pelos povos orientais como junchaio, que
são considerados os ensinamentos dos sábios. Este princípio é o que define o
Tao (caminho superior), uma maneira de ter uma vida equilibrada, satisfazendo
as vontades do céu e da terra.
Além
de filósofo, Confúcio também foi um mantra para seu povo. Nele, as pessoas
buscavam um modelo de comportamento e respostas para seus anseios. A filosofia
do pensador chinês fazia uma fusão com outros cultos religiosos da antiguidade
chinesa, inclusive os que lidam com deuses e imortais, fazendo nascer uma forma
de sincretismo de religiões.
A
doutrina do Confucionismo durou na China aproximadamente dois mil anos, indo do
século II ao século XX com milhões de adeptos. Além da forte presença na China
a religião de Confúcio também tem diversos adeptos no Japão, Cingapura e Coréia
do Sul.
As
ideias pregadas no Confucionismo são bastante diferentes das encontradas nas
religiões tradicionais do Ocidente. Na filosofia de Confúcio não há um Deus,
uma unidade criadora e muito menos templos ou igrejas.
Sua
doutrina fundamenta-se na busca pelo Tao, a harmonia da vida e do mundo. Para
atingir o Tao, o Confucionismo coloca a família como base de uma sociedade em
que todos os seres humanos vivem em harmonia. Esta família começa nos governantes,
que devem amar o povo como verdadeiros pais, e termina nos súditos, que tem o
dever de ser obedientes e humildes como filhos.
Outra
das características presentes no Confucionismo é o culto aos antepassados. Para
Confúcio, os seres humanos são formados por quatro dimensões:
O
Eu
A
Comunidade
A
Natureza
O
Céu
Além
disso, prega que os seres humanos tem que possuir cinco virtudes essenciais que
são:
Amar
o próximo
Ser
justo
Ter
comportamento adequado
Ter
consciência da vontade dos céus
Cultivar
a sabedoria e a sinceridade
Compiladas
em cinco obras, as ideias de Confúcio e suas doutrinas podem ser encontradas
nos livros que são denominados Os Cinco Clássicos: Shu Ching; Shih Ching; Li
Ching; Chun-Chiu e o I Ching.
Entre
os diversos ritos tradicionais do confucionismo estão reverência e culto aos
antepassados e oferendas aos mortos. Na parte da família, o casamento é
valorizado como uma forma de continuação da tradição.
XINTOISMO
O
Xintoísmo é a única religião que pode ser considerada genuinamente japonesa,
tendo origens mesclando-se com a do próprio povo japonês. Há dois milênios
percebe-se sua predominância no misticismo do país. A denominação adaptada do
chinês xin-tao, que significa "via dos deuses", só foi aceita por
volta do século XI, embora muitos utilizem o termo kami-no-michi, com a mesma significação.
Ao
contrário do Budismo, de origem indiana e influência chinesa, o Xintoísmo é
dominante apenas no Japão, embora sua prática não exija o abandono ou recusa de
outras formas de manifestação de crença religiosa. Não se trata de uma crença
exclusivista, pois convive pacificamente e até complementa-se com outras
religiões.
Muitos
estudiosos nem consideram o Xintoísmo uma religião, devido ao fato de não terem
sido criados códigos de leis explícitas, filosofia escrita e definida, profetas
ou um livro sagrado, que contivesse os dogmas para quem a segue. Entretanto, a
forma ostensiva com que o xintoísmo comanda a vida de seus praticantes, é
perceptível não só em seus rituais, mas nos demais aspectos da vida, o que
garante a posição de uma das grandes religiões do mundo.
Sua
base é de origem panteísta, com inúmeras divindades, as quais atribuem valor
sagrado a todos os elementos da natureza. Em sua concepção, tudo no universo é
divino, interligado e interdependente. Assim, não só os seres vivos, mas todos os elementos, visíveis e invisíveis da
natureza, coexistem em harmonia tendo se originado da mesma fonte.
O
Xintoísmo diz que tudo é regido por forças de pureza hare, impureza ke, e a
fusão de ambos kegare, formando uma das mais importantes características de
seus rituais, a purificação de corpo e da alma, assim como a harmonia com a
natureza. O praticante se familiariza e se integra à natureza, num
relacionamento de intimidade, de reciprocidade, sabendo que dela ele tira seu
sustento e, portanto, deve retribuir de alguma forma. Assim, sua sobrevivência
depende do seu entendimento de toda a estrutura vital da natureza,
considerando-a uma parceira e uma guia.
Contrária
à visão ocidental de que o homem é adversário da natureza, tentando dominá-la e
subjugá-la, na concepção Xintoísta considera-se que o ser humano não pode viver
em luta com a natureza, o que é interessante perceber, considerando as
condições geográficas e climáticas do Japão que são, sem dúvida, uma das mais
implacáveis do mundo, com vulcões ativos, intensos terremotos e furacões
arrasadores.
Ao
estudar o Xintoísmo, tem-se um bom entendimento da cultura japonesa, com sua
visão de mundo que determina boa parte do comportamento do seu povo, sua capacidade
de adaptação e aceitação de novas ideias, preservando as antigas, sua recepção
a novas culturas, seu comportamento valorizador da higiene e da saúde e seu
nacionalismo sempre presente.
Mesmo
mesclando-se com outras religiões e com vários desdobramentos, o Xintoísmo
deixa uma herança que, com certeza, auxilia a receptividade do povo nipônico,
fazendo com que o exclusivismo, principalmente no campo religioso, seja anulado
ou ao menos, pouco praticado no Japão.
TAOISMO
Recebe
o nome de Taoísmo o conjunto de ensinamentos e práticas religiosas praticadas
em diversos pontos do extremo oriente.
Culto
filosófico-religioso, o taoísmo surge das antigas crenças panteísticas e
crenças xamânicas chinesas, arregimentadas em uma forma de filosofia mística
pelo filósofo e alquimista Lao Zi há cerca de 2500 anos na China, no chamado
período dos "estados guerreiros", sendo que a verdadeira organização
do taoísmo como religião convencional vai aparecer somente por volta do século
V.
O
documento fundamental desta filosofia-religião é o Dao De Jing, escrito na
forma de uma série de pequenos sonetos, ou poemas, por assim dizer, e que
refletem sobre o caminho para a humanidade eliminar o conflito e o sofrimento.
A expressão "dao", em chinês significa “caminho”, indicando que o ser
humano em sua vida pode seguir vários caminhos, e em meio a tal variedade de
escolhas, este deve optar por viver em harmonia com a natureza por meio deste
mesmo dao, um conceito de uma grande harmonia cósmica, de onde acredita-se que
uma força natural liga todas as coisas em nosso mundo. A partir deste
entendimento, surge a conclusão, popular entre os seguidores do taoísmo de que
o desejo humano "prende" o espírito, impedindo-o de seguir livremente
o verdadeiro caminho. Para isso, então, o ser humano deve gradualmente aprender
a se libertar de seus próprios desejos terrenos a fim de conhecer a si próprio
e obter paz e serenidade em seu espírito, e em um plano maior, a imortalidade.
Originalmente
uma espécie de filosofia, mais ou menos como a entendemos hoje, o taoísmo vai
aos poucos se misturando às crenças tradicionais chinesas existentes, e por
volta do século V já terá incorporado dentro de seus ensinamentos um panteão.
Os deuses taoístas são figuras históricas que demonstraram poderes excepcionais
em vida, como por exemplo, o Imperador Jade (supremo soberano das divindades
chinesas), Cai Shen (deus da prosperidade), Guan Yu (senhor da honra e da
piedade), além do próprio Lao Zi, alvo de culto pelos crentes.
Com
a posterior criação do confucionismo e da vinda do budismo, o taoísmo perde de
alguma forma a sua popularidade, muito devido aos traços enigmáticos de seu
maior documento, o Dao de Jing. A partir daí, passa a ser, de certa forma, a
terceira religião em importância no país. Mas, gradualmente, os chineses irão
recorrer às très religiões quando necessário para suprir as suas questões de
fé. Isso faz com que popularmente o chinês médio cultue os três sistemas ao
mesmo tempo, voltando-se para um ou outro quando acha necessário.
RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
As religiões de matriz africana foram incorporadas a cultura
brasileira desde há muito, quando os/as primeiros/as escravizados/as
desembarcaram no país e encontraram em sua religiosidade uma forma de preservar
suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África.
E
assim como tudo que fazia parte deste universo, tais religiões – apesar de sua
influência e importância na construção da cultura nacional – também foram
perseguidas e, em determinados momentos históricos, até proibidas. Atualmente,
os ataques mais expressivos às religiões de matriz africana vêm das chamadas
religiões ‘neopentecostais’, que comumente as rotulam de ‘culto aos demônios’,
‘crendices’ e ‘feitiçarias’.
Toda
essa ignorância com relação a essas culturas gera um ambiente propício para
intolerância, proporcionando sofrimento aos praticantes e a todos/as aqueles/as
que fazem parte da população negra, que tem os seu direito de pertença e
identidade racial muitas vezes negado em função do racismo.
A
ministra religiosa e Iyalorisá, Carmen Prisco, defende que para combater o
racismo e a intolerância religiosa o governo brasileiro precisa reconhecer a
contribuição dos africanos na construção da alma brasileira e tombar o
candomblé como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade.
O
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade é uma distinção criada em 1997 pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura para a
proteção e o reconhecimento do patrimônio cultural imaterial, abrangendo as
expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em
respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras.
“O
candomblé representa o espaço onde a cultura dos escravizados que vieram para o
Brasil está guardada, está sendo preservada e transmitida. Se as leis
municipais continuarem fechando terreiros, não reconhecendo o lugar do sagrado
que o nosso culto possui, em 50 anos não teremos mais candomblé e as pessoas
não vão nem saber da história dos escravizados no Brasil”, destaca Carmen.
Para
ela é função dos/as educadores/as levar estes conhecimentos para a sala de aula
e contribuir para perpetuação dos valores civilizatórios de tradição africana.
Ela inicia esse resgate histórico distiguindo a origem e história dos
ancestrais africanos que vieram na diáspora.
Os
Bantus eram o grupo mais numeroso, dividiam-se em angola-congoleses e
moçambiques. Sua origem estava ligada ao que hoje representa Angola, Zaire e
Moçambique, os principais destinos deste grupo eram Maranhão, Pará, Pernambuco,
Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. Eles foram os primeiros a chegarem no
Brasil e a fundarem com os indígenas o candomblé de cabloco, primeira
manifestação religiosa com origem africana do país.
Já
os Iorubas ou Nagôs-Sudaneses eram formados
por: iorubas, jejes e fanti-ashantis, trazidos do sudoeste do continente
africano, do que hoje é representado pela Nigéria, Daomei e Costa do Ouro, seu
destino geralmente era a Bahia. Entre eles tinham os mulçumanos, que de acordo
com Carmen, eram os não-escravizados e também muitos guerreiros, que em sua
maioria foram para os engenhos de cana-de-açúcar. No final da Diáspora, aqui
chegaram os Fon, cuja maior expressão histórica, política e social se expressou
no Benin, através do Reino do Dahomey.
Carmen
chama a atenção para como, mesmo falando línguas diferentes e cultuando seus
próprios deuses, esses povos reiventaram suas origens, uniram-se e pela fusão
de suas culturas construíram a nossa religiosidade e conhecimento. Ela destaca
algumas manifestações que tiveram origem nesta ‘colagem’:
Batuque
– sediado no Rio Grande do Sul, se estendeu para países vizinhos como Uruguai e
Argentina. É fruto de religiões dos povos da Costa da Guiné e da Nigéria, como
as nações Jeje, Ijexá, Oyó, Cabinda e Nagô.
Candomblé
– Do Calundu colonial da Bahia surgem os primeiros terreiros de candomblé e com
eles a organização politico-social-religiosa. Neste ponto, as irmandades não
podem ser esquecidas. Elas têm como origem a mistura proveniente da cultura dos
escravizados com o catolicismo. A mais antiga é a Irmandade da Boa Morte, que
no terreiro da Casa Branca fundou os alicerces para que as demais casas de
candomblé pudessem ser criadas e posteriormente, se espalharem pelo Brasil.
Cabula
– é o nome pelo qual foi chamada, na Bahia, uma seita surgida no final do
século XIX, com caráter secreto e fundo religioso. Além do cunho hermético, a
seita mantinha forte influência da cultura afro-brasileira, sobretudo dos
malês, bantos com sincretismo provocado pela difusão da Doutrina Espírita nos
últimos anos do século XIX. A Cabula é classificada como candomblé de caboclo,
considerada como precursora da Umbanda, persiste ainda como forma de culto nos
estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Culto aos Egungun –
é uma das mais importantes instituições, tem por finalidade preservar e
assegurar a continuidade do processo civilizatório africano no Brasil, é o
culto aos ancestrais masculinos, originário de Oyo, capital do império Nagô,
que foi implantado no Brasil no início do século XIX. O culto principal aos
Egungun é praticado na Ilha de Itaparica no Estado da Bahia, mas existem casas
em outros Estados.
Catimbó
- Concebe-se como Catimbó-Jurema, ou simplesmente Jurema, a religião que se
utiliza de sessões de Catimbó na veneração da Jurema sagrada e dos Orixás. O
Catimbó-Jurema é um culto híbrido, nascido dos contatos ocorridos entre as
espiritualidades indígena, européia e africana, contatos esses que se deram em
solo brasileiro, a partir do século XVI, com o advento da colonização.
Umbanda
– é uma religião brasileira que sincretiza vários elementos, inclusive de
outras religiões como o catolicismo, o espiritismo, as religiões
afro-brasileiras e a religiosidade indígena. A palavra umbanda deriva de
m’banda, que em quimbundo (idioma banto) significa “sacerdote” ou “curandeiro”.
Quimbanda
– é uma ramificação da umbanda desde a sua fundação pelo médium brasileiro
Zélio Fernandino de Morais, já que o mesmo admitiu ter um exu como guia por
ordens de seus guias. Assim como qualquer religião, dentro da quimbanda,
existem várias linhas de desenvolvimento, mas o princípio de trabalhar
respeitando as leis da Umbanda é fundamental, uma vez que estas entidades são
comandadas pelas entidades da Umbanda, que é sua matriz.
Xambá
- A Nação Xambá é uma religião afro-brasileira ativa em Olinda, Pernambuco.
Alguns autores afirmam que este culto está praticamente extinto no país.
Omolocô
– é um culto presente no Rio de Janeiro, mas veio pela Bahia e também é
encontrado no Rio Grande do Sul, é
caracterizado por suas práticas rituais e de culto aos Orixás, Caboclos, Pretos-velhos e demais Falangeiros de Orixás
da Umbanda. O culto Omolocô é apontado por estudiosos do assunto e praticantes
como um dos principais influenciadores da formação da Umbanda africanizada, ao
lado do Candomblé de Caboclo, do Cabula e do próprio Candomblé. Teria surgido
entre o povo africano Lunda-Quiôco.
A
ministra também destaca que a religiosidade africana para os/as escravizados/as
não se separava das demais dimensões da vida e que foi esta característica que
potencializou o poder de influência desta cultura em tantos setores da
sociedade brasileira ainda em seu início. Ela recorda leis com o a do Diretório
de 1759, que tornou obrigatório o uso da língua portuguesa como idioma oficial
em todo o território nacional, proibindo o tupinambá e a proliferação dos
dialetos e línguas africanas que já dominavam o falar dos colonos.
“É
impressionante que muitas das palavras ‘banto’ já substituíam os mesmos termos
em português. E representavam mais que vocábulos diferentes, eram novas
maneiras de ser e agir. Um exemplo é a palavra cochilar usado em substituição a
dormitar. Dormitar, palavra portuguesa, significava dormir sentado, em pé, de
qualquer jeito. Cochilar já não, era a prática dos negros de deitar e dormir um
pouco após o almoço”, observa.
Outro
detalhe curioso compartilhado por Carmen foi o uso de vogais e consoantes, bem
como do plural praticados pelos/as negros/as. “As pessoas tem mania de querer
dizer que é errado o jeito de falar do negro, do matuto, mas se olharmos para
origem percebemos que o que falta é conhecimento da língua No caso do plural,
do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, na língua iorubá, a sua
composição se dá pela flexão, somente, dos artigos que precedem os substantivos. Enquanto na língua
portuguesa, se constrói flexionando também os substantivos. Assim, enquanto em
português, a construção do plural de “a casa” fica “as casas”. Em ioruba
flexiona-se apenas o artigo e fica ‘as casa’. No caso dos encontros
consonantais, eles não existem em iorubá e então, são desfeitos com a inserção
de uma vogal. A palavra salvar, que em função do desdobramento das consoantes L
V é acrescido a vogal A, precedida de R, resulta na palavra SARAVA. Algo muito
parecido acontece com a palavra flor. As letras F e L vão receber a vogal U
entre si o que resulta na palavra FULÔ. Neste caso a pronúncia do R não é
utilizada porque também não se aplica nos idiomas iorubá e banto”, explica.
A
apropriação dos termos africanos acabou se transformando em prática cotidiana
no universo da culinária brasileira, que adotou o modo de preparar, bem como os
ingredientes usados pelas negras.
A
população escravizada já havia introduzido na cozinha portuguesa o leite de
coco-da-Bahía, o azeite de dendê, confirmou a preferência da pimenta malagueta
sobre a do reino, deu ao Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer
vatapá, caruru, mungunzá, acarajé, angu e pamonha. Ela também modificou os
pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma coisa com os pratos
da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira, que por meio dos/as
escravizados/as de ganho foi responsável pela sobrevivência de muitos senhores
de engenho que faliram com a decadência da cana-de-açúcar no mercado europeu.
CANDOMBLÉ
Candomblé
é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás, voduns
ou nkisis, dependendo da nação. Sendo de origem totêmica e familiar, é uma das
religiões de matriz africana mais praticadas, tendo mais de três milhões de seguidores
em todo o mundo, principalmente no Brasil. Também é possível encontrar o
chamado povo do santo em outros países como Uruguai, Argentina, Venezuela,
Colômbia, Panamá, México, Alemanha, Itália,França, Portugal e Espanha.
Dentre
as nações africanas praticantes do animismo, cada uma tinha, como base, o culto
a um único orixá. A junção dos cultos é um fenômeno brasileiro em decorrência
da importação de escravos onde, agrupados nas senzalas, nomeavam um zelador de
santo, também conhecido como babalorixá no caso dos homens e iyalorixá no caso
das mulheres.
A
religião tem, por base, a anima (alma) da Natureza, sendo, portanto, chamada de
anímica. Os sacerdotes africanos que vieram para o Brasil como escravos,
juntamente com seus orixás/nkisis/voduns, sua cultura, e seus idiomas, entre
1549 e 1888, é que tentaram de uma forma ou de outra continuar praticando suas
religiões em terras brasileiras. Foram os africanos que implantaram suas
religiões no Brasil, juntando várias em uma casa só para a sobrevivência das
mesmas. Portanto, não é invenção de brasileiros.
Diz
Clarival do Prado Valladares em seu artigo "A Iconologia Africana no
Brasil", na Revista Brasileira de Cultura (MEC e Conselho Federal de
Cultura), ano I, Julho-Setembro 1999, p. 37, que o "surgimento dos
candomblés com posse de terra na periferia das cidades e com agremiação de
crentes e prática de calendário verifica-se incidentalmente em documentos e
crônicas a partir do século XVIII". O autor considera difícil para
"qualquer historiador descobrir documentos do período anterior diretamente
relacionados à prática permitida, ou sub-reptícia, de rituais africanos".
O documento mais remoto, segundo ele, seria de autoria de dom Frei Antônio de
Guadalupe, bispo visitador de Minas Gerais em 1726, divulgado nos
"Mandamentos ou Capítulos da visita".
Embora
confinado originalmente à população de negros escravizados, inicialmente nas
senzalas, quilombos e terreiros, proibido pela igreja católica, e criminalizado
mesmo por alguns governos, o candomblé prosperou nos quatro séculos, e expandiu
consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Estabeleceu-se com
seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de templos. Em
levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhões de brasileiros (1,5% da
população total) declararam o candomblé como sua religião. Na cidade de
Salvador existem 2.230 terreiros registrados na Federação Baiana de Cultos
Afro-brasileiros e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA,
(Universidade Federal da Bahia) Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador.
Entretanto,
na cultura brasileira as religiões não são vistas como mutuamente exclusivas, e
muitas pessoas de outras crenças religiosas — até 70 milhões, de acordo com
algumas organizações culturais Afro-Brasileiras — participam em rituais do
candomblé, regularmente ou ocasionalmente. Orixás do candomblé, os rituais, e
as festas são agora uma parte integrante da cultura e uma parte do folclore
brasileiro.
O
candomblé não deve ser confundido com umbanda, e/ou omoloko, e outras religiões
afro-brasileiras com similar origem; e com religiões afro-americanas similares
em outros países do Novo Mundo, como o vodou haitiano, a santería cubana, e o
obeah, em Trinidade e Tobago, os shangos (similar ao tchamba africano, xambá e
ao xangô de Pernambuco do Brasil) o ourisha, de origem iorubá, os quais foram
desenvolvidas independentemente do candomblé e são virtualmente desconhecidos
no Brasil.
UMBANDA
Umbanda
é uma religião brasileira formada através de elementos de outras religiões como
o catolicismo ou espiritismo juntando ainda elementos da cultura africana e
indígena.
A
palavra é derivada de “u´mbana”, um termo que significa “curandeiro” na língua
banta falada na Angola, o quimbundo. A umbanda tem origem nas senzalas em
reuniões onde os escravos vindos da África louvavam os seus deuses através de
danças e cânticos e incorporavam espíritos.
O
culto umbandista é realizado em templos, terreiros ou Centros apropriados para
o encontro dos praticantes onde entoam cânticos e fazem uso de instrumentos
musicais como o atabaque. Apesar disso, quando o Umbanda foi criado, não
existiam manifestações musicais, como cânticos e utilização de instrumentos.
O
culto é presidido por um chefe masculino ou feminino. Durante as sessões são
realizadas consultas de apoio e orientação a quem recorre ao terreiro, práticas
mediúnicas com incorporações de entidades espirituais e outros rituais.
O
culto se assemelha ao candomblé, no entanto, são religiões que possuem práticas
distintas.
Ao
longo do tempo, a umbanda passou por transformações e foi se demarcando de
outras religiões. Também criou ramificações, algumas delas são descritas como:
Umbanda Tradicional: criada no Rio de Janeiro pelo jovem Zélio Fernandino de
Moraes; Umbandomblé ou Umbanda Traçada: onde um mesmo sacerdote pode realizar sessões
distintas de umbanda ou de candomblé; Umbanda Branca: utiliza elementos
espíritas, kardecistas e os adeptos usam roupas brancas; Umbanda de Caboclo:
forte influência da cultura indígena brasileira.
FUNÇÃO SOCIAL
DAS CRENÇAS E IDEOLOGIAS RELIGIOSAS
[…] a verdadeira função
da religião não é nos fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, […] mas sim
nos fazer agir, nos ajudar a viver. Durkheim
Grande
parte das discussões entre ateus e religiosos na internet tem como pano de
fundo a ignorância e mútua incompreensão. Da parte dos ateus, isso começa com a
convicção de muitos deles de que as religiões são “irracionais”. As ciências
sociais não trabalham com essa perspectiva. Elas são compreensivas. E as
religiões, já reconhecia Durkheim, somente podem ser compreendidas
historicamente. Desde o século 19, entendemos que fazer história é reconstituir
contextos, épocas culturais, mentalidades. A história então monta o modelo do
conhecimento das coisas humanas, que vai ser usado pela antropologia, economia,
sociologia. Qualquer dimensão da ação humana deve ser entendida historicamente.
Foi
o que Durkheim tentou fazer em As formas elementares da vida religiosa, de onde
extraí a epígrafe deste texto. A obra
clássica publicada originalmente em 1912, é uma proposta de estudar o totemismo
como sistema de culto em algumas tribos australianas. Embora fosse positivista,
Durkheim divergia da teoria de Auguste Comte acerca do progresso da humanidade.
Embora também acreditasse na objetividade da ciência social, ele rompeu com a
ideia de linearidade, tão presente na cultura ocidental, para argumentar que a
história não é como uma linha geométrica
nem a humanidade caminha em direção aos mesmos valores ou ao mesmo modelo de
desenvolvimento tecnológico. Essa concepção foi bastante profícua para sua
formulação de um conceito de religião e da função social da religião.
Sua
famosa frase logo no início do livro de que não existem religiões falsas porque
todas correspondem a determinada condição da existência humana, sintetiza o
olhar das ciências sociais sobre os fenômenos religiosos. A primeira parte de
sua obra, onde ele tenta chegar a uma definição de religião, também é
particularmente importante. Uma das maiores dificuldade pra quem quer
compreender ou estudar determinado sistema religioso é definir religião.
Sabemos
que o sentido etimológico vem do latim re-ligare. Mas a questão é: a religião é
um religar de quê? Inicialmente do homem com seus mortos. A religião não começa
como uma crença em divindades, mas a partir do sentimento de continuidade da
vida, a partir do momento em que o homem começa a sepultar seus mortos, com a
realização de enterros e ritos fúnebres. Dessa forma, o sentimento religioso
nasce de uma consciência da insuficiência humana e admissão da fragilidade e
efemeridade da condição humana. No sistema totêmico, diz Durkheim, a ideia de
divindade é completamente estranha. Ele diz que a religião não se originou de
cultos a divindades pessoais, mas de cultos a forças anônimas e poderes
indefinidos.
Se
a religião não se define por uma crença em uma divindade, Durkheim busca um
ponto de convergência entre elas. E, para ele, esse ponto consiste nos dois
domínios em que as religiões dividem o mundo: o sagrado e o profano. Essa
antítese é um fato universal que permite identificar qualquer fenômeno
religioso, e mesmo com as diferenças de contextos, está presente somente na
religião. Os templos teriam a função de separar os dois mundos. O historiador
Marcello Massenzio (2005: 110-111) explica com propriedade essa dicotomia:
As
categorias de sagrado e profano se opõem uma à outra e, ao mesmo tempo, se
pressupõem. O âmbito do sagrado se estende a tudo aquilo que ultrapassa o nível
cotidiano da existência humana: começam a fazer parte dele, portanto, os seres
sobre-humanos, a dimensão do mito, as práticas rituais, as normas e proibições
cuja origem não seja considerada humana. Colocando-se em tal perspectiva, é
legítima a equação sagrado = alteridade, alteridade em relação ao profano, que
coincide com a ordenação normal do mundo. […]
Para
colocar em destaque a complexidade da relação em exame, pode ser útil repensar
a instituição da festa, que pressupõe a interrupção da ordem profana como
condição necessária para ascender à ordem festiva, que tem caráter sagrado. À
festa pertence in primis o tema da separação do profano. […] Sob tais bases é
possível pensar a festa como uma instituição destinada também a promover – e
não só a negar – a ordem mundana, na medida em que tenta recuperar os
pressupostos últimos em que se apóia.
Para
Durkheim, a ideia de sagrado evoca a superioridade da coletividade sobre o
indivíduo, sua autoridade moral e sua proteção. Para chegar a essa conclusão,
ele parte de uma minuciosa problematização do fenômeno religioso, iniciando
pela definição de crenças, ritos, magia, igreja, sagrado e profano; depois
passa a dissertar sobre algumas teorias em voga no seu tempo, como o animismo e
a teoria naturista de Max Müller.
O
sagrado e o profano também são dois temas sobre os quais Mircea Eliade discutiu
amplamente em suas obras. Eliade
considera que a necessidade da religião está ligada a um desejo ontológico,
isto é, o desejo do ser, oriundo do temor do caos, do espaço desconhecido, não
consagrado, que caracteriza, para o homem religioso, o não-ser absoluto.
O
sagrado é composto de crenças e ritos ou pensamento (no caso das crenças) e
movimento (no caso dos ritos). Os ritos têm a função de prescrever
comportamentos. A pluralidade de crenças religiosas evidencia o impulso criador
da sociedade e também a permanente tentativa do homem de elevar-se a uma vida
superior à realidade cotidiana. As crenças, enquanto representações coletivas,
atribuem significados a essa outra vida, enquanto os ritos estabelecem os regulamentos
que garantem o funcionamento do culto religioso. Por conseguinte, os ritos são
formas de reafirmação periódica do grupo.
Por
este motivo, para Durkheim, a vida religiosa é voltada para ação. E Weber iria
adiante ao dizer que toda ação é racional, portanto as religiões não podem ser
irracionais. Mas em Durkheim o simbolismo religioso também atua com a função de
reproduzir as hierarquias sociais.
Como
foi dito acima, sua obra As Formas Elementares da Vida Religiosa é um estudo
sobre as comunidades totêmicas da Austrália
e também um marco no pensamento social sobre a importância do fenômeno
religioso por pelo menos dois motivos: primeiro, a questão metodológica que ele
enfrenta levanta a relevância do método etnográfico por abrir possibilidades de
conhecimento ainda inexploradas e por evidenciar a dimensão autônoma da
religião. A noção de elementar presente no título da obra remete à perspectiva
do autor de que as sociedades primitivas possuem complexidades intelectuais e
morais de menor amplitude do que as sociedades mais avançadas. Essa
uniformidade leva à manipulação do patrimônio cultural das sociedades
primitivas em favor de um grupo ou clã. Nesse ponto, Durkheim não destoa da
noção de evolucionismo cultural de sua época, mas isso não compromete sua
proposta metodológica na medida em que seu ponto inicial é a necessidade de
rediscutir temas importantes da cultura e da sociedade e a necessidade de
diversificação dos próprios métodos.
O
segundo motivo porque a obra de Durkheim é um marco é a ruptura que promove com
a perspectiva de que a religião é um caleidoscópio de erros. Para ele, uma
instituição humana fundada exclusivamente sobre erros não poderia perdurar no
tempo. Por outro lado, as primeiras representações de mundo que o homem
elaborou foram de origem religiosa e as categorias mentais que fundamentam
nossa compreensão moderna do mundo, como as noções de tempo, espaço, causa,
número, etc. foram primeiramente elaboradas a partir de crenças religiosas. Com
isso, ele não quer dizer que as doutrinas religiosas são verdadeiras em um
sentido científico, mas que a principal prerrogativa da religião é a
organização da existência social, é agregar, portanto. Daí a definição de religião como uma
realidade essencialmente coletiva.
A
caracterização das religiões como sistemas de crenças irracionais, embora seja
um equívoco, evidencia a tensão entre esses sistemas e nosso pensamento
científico. A ciência nos ensinou a contemplar a natureza de outra forma,
afastou a necessidade de um criador e da crença em mundos espirituais e tornou
os ritos inúteis para aplacar as forças da natureza, que aprendemos a controlar
a manipular a nosso favor. Contudo, não possuímos a totalidade do conhecimento,
o que nos impede, por exemplo, de termos certeza se estamos ou não sozinhos no
universo ou se existe algo parecido com um criador escondido em algum canto ou
dimensão que não conhecemos.
Hoje
podemos viver confortavelmente sem nenhuma crença religiosa e com o direito de
não sermos molestados por quem segue qualquer sistema de crença. Podemos ter
espiritualidade sem precisarmos frequentar um templo ou acreditar em um Deus,
podemos explicar o mundo sem o recurso a forças invisíveis e sobrenaturais.
Isso também não suprimiu a religião como força cultural criadora. O fato de a
religião ter sido legitimadora de diversas formas de poder arbitrários ao longo
de milênios não anula seu potencial criador, seu impulso para a ação coletiva.
Por isso, Durkheim compreendia que, em última instância, a religião ensina as
pessoas a viver melhor e fornece (especialmente para sociedades não modernas) o
chão para a estabilidade das relações sociais.
Referências
Autor:
Bertone Sousa, professor, historiador e autor do livro Fé e Dinheiro.
DELUMEAU, Jean; MELCHIOR-BONNET, Sabine. De
Religiões e de Homens. São Paulo: Loyola, 2000.
DURKHEIM,
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MASSENZIO,
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