CONCEPÇÕES DE CORPO NAS TRADIÇÕES RELIGIOSAS.
CONCEPÇÕES DE CORPO NAS TRADIÇÕES RELIGIOSAS.
Apesar
de o fenômeno religioso ser alvo de intensas discussões e de posições não consensuais,
muitos pesquisadores colocam no centro do debate acadêmico a possibilidade ou não
de sua extinção na sociedade. Alguns autores utilizam o conceito de
secularização para explicar as inúmeras modificações no campo religioso
atribuídas ao advento da modernidade. José Casanova (1994), por exemplo, aponta
para três dimensões utilizadas para falar sobre a secularização: a primeira a
vê como o declínio da religião, a segunda a vê a partir da separação das
esferas e a terceira a entende como a mudança da religião para a esfera
privada.
O
autor, que parece dar preferência à discussão que entende o processo de secularização
como a divisão das esferas, faz uma crítica a Durkhein e Weber[1],
que acreditam na substituição da moral religiosa por uma moral secular
(Durkhein) e na dessacralização[2] do
mundo (Weber), mas não fornecem a base para pensarmos no conceito de moderno e
nas consequências desta modernidade. Para Casanova, além da emergência da
Ciência Moderna outros três acontecimentos contribuíram para o evento da
secularização: o desenvolvimento das forças do capitalismo, a Reforma
Protestante e a formação do Estado. É preciso atentar para o fato de que este
processo ocorreu de forma diferenciada em cada lugar do mundo.
A
discussão entre fé e razão que em grande parte legitimou a separação entre
Igreja e Estado, ainda hoje serve como arma legitimadora na disputa de várias
esferas pelo domínio dos conhecimentos sobre o homem e o corpo. As explicações
sobre o que é o ser humano passam a ser vinculadas pelo saber racional. Com
isso, a ideia desejada pela Igreja de uma unificação religiosa da humanidade
começa a perder força. Inicia-se um processo de desnaturalização do homem, que
se coloca acima da natureza e livre de seus desígnios, portanto, livre de Deus.
No
entanto, este processo, ao contrário de dar fim à religião, abriu caminho para
que outras crenças se fizessem presentes. A busca pela fé parece ter-se feito
necessária como algo que complementasse aquilo que faltou à razão. Estas
mudanças trouxeram à tona a necessidade de novos discursos por parte da esfera
religiosa. A Igreja Católica perde o poder de outrora e passa a disputar o
monopólio dos bens de salvação com outras religiões. Surgem diversos templos,
igrejas, santuários, casas de oração etc. Novos deuses e novas religiões são frutos
da sociedade moderna e se encontram intimamente relacionados aos novos modos de
vida de grande parte da população. Para Paula Montero (2006) o surgimento
destas novas religiões se deve, em parte, à Reforma Protestante, que abriu
caminho para o pluralismo no campo religioso. Pluralismo este “subordinado” a
uma racionalidade capaz de criar consensos que possibilitam a comunicação e o
compartilhamento do mundo. Para Habermas (1999), à esta razão deve ser inerente
a constatação de que as crenças variam.
Se
as crenças variam, os modos de ver e de pensar o “mundo” também vão se diferenciando
em decorrência de tais variações. Assistimos ao longo do tempo a inúmeras mudanças
na esfera religiosa, mas, afinal, o que isto tem a ver com o corpo? O fato é
que as mudanças na esfera religiosa dizem muito a respeito das mudanças
visíveis nos corpos humanos nos diversos períodos e lugares. Em meio às
mudanças da esfera religiosa, assistimos às mudanças do corpo e de suas
gestualidades. Por trás de cada gesto, desde a época do feudalismo até o século
atual, é possível observar um tipo de educação que teve, ou tem, vínculo com a
esfera religiosa, inclusive no ambiente escolar. Mesmo na contemporaneidade as
religiões exercem poder normativo sobre os corpos, que são educados e marcados
por práticas religiosas diversas. A diferença é que se antes a Igreja possuía o
monopólio das regras sobre os “usos do corpo[3]” e
da alma, hoje ela disputa o domínio com outras esferas da saber. É neste
sentido que atribuo importância a este debate para a área da Educação Física.
Afinal, estes profissionais, assim como psicólogos, esteticistas, nutricionistas,
e outros ainda, elaboram discursos que ditam “normas” de se portar em relação aos
aspectos corporais. Com isso é possível perceber que não somente a natureza se dessacralizou,
mas todo e qualquer objeto, inclusive o corpo humano.
Um
bom exemplo para ilustrar tais ideias está relacionado à compreensão da noção
de beleza corporal. Baseando-se na racionalização dos corpos, enfraquecem-se
ideias do tipo “a verdadeira beleza é aquela dada por Deus”. A beleza não
depende mais da vontade divina e, sim, dos métodos científico-tecnológicos
empregados no corpo. A racionalização parece conduzir a certa homogeneização de
determinados padrões corporais e, por isso, não é mais “permitido” ser “feio”,
“fraco”, “gordo”, etc. Para Paulo Fensterseifer (2001), não é de se estranhar
que o corpo seja suscetível a ser “reformado”, “concertado”, melhorado etc. O pensamento
moderno vem mostrar, principalmente às mulheres, que se no quesito beleza elas foram
esquecidas por Deus, a “fé” na ciência pode dar-lhes uma “mãozinha”.
ATIVIDADE:
1- Em
seu caderno, ressalte apartir do texto e de seus estudos paralelos, qual o
pensamento sobre o corpo dentro do contexto religioso?
[1] Sãos principais pensadores
clássicos da Sociologia, a saber: Marx, Durkheim e Weber.
[2]
Desmistificação; retirada
do caráter sagrado de; fazer com que algo deixe de ser considerado sagrado,
divino, inviolável: processo de dessacralização de escrituras sagradas, de
documentos legais, de textos literários.
[3] O
termo “uso do corpo” faz referência ao sentido dado por Marcel Mauss (2003),
para o qual o corpo é o primeiro instrumento do homem. Mas, ao contrário da
compreensão utilitarista a que o termo “uso do corpo” possa remeter, o
importante no conceito do autor é que estes diferentes usos podem (e devem) ser
atribuídos a diferentes significados conforme o contexto sociocultural em que
estão inseridos.
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