Para que serve a Religião
Para que serve a Religião
Toda vez que encontro
uma pessoa em situação difícil na rua, maltrapilha e com aquele característico
olhar humilhado, e tenho a reação automática de fingir que não vi ou dizer um
“não” o mais duro e irrecorrível possível, embora tenha o bolso cheio de moedas,
me pergunto na sequência, imediatamente: para quê serve minha religião?
Há pelo menos duas
formas de responder a essa pergunta: a mais comum hoje em dia é dizer que
religião serve para a gente se sentir bem, ter paz, botar a cabeça no lugar.
Nesse nosso tempo individualista tudo deve ser utilitário, deve trazer benesses
palpáveis para a pessoa. A religião, portanto, seria uma coisa a serviço da
pessoa. Atingindo seu fim, tanto faz qual seja ela.
Mas há a outra
resposta, que, de tão complexa, só posso aqui rascunhar uma de suas facetas.
Religião é um instrumento de transformação. Religião, a religião genuína de
Cristo, toma sua escala de valores natural e vira de cabeça para baixo. Toma
seus gostos e preferências e muda de lugar. Radicalmente. Religião, ou melhor,
cristianismo, empurra você, o molda, formata, faz com que você reproduza (aos
poucos ou aos muitos, cada caso é um caso) o caráter dAquele a Quem você passou
a contemplar longamente. Assim, o cristianismo, se vivido de fato, não serve
como um refresco ou como uma espécie de terapia, pra você tocar sua vida
normalmente, perseguindo os mesmos sonhos e tendo as mesmas atitudes nas
situações inesperadas da vida.
Em Mateus 23,23, Jesus
faz uma declaração lapidar: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque
dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de
mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas
coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas”. Extremamente pedagógico,
esse texto. Jesus ensina que religião não é uma coisa baseada em: “faça isto e
isto, participe deste e deste rito, abstenha-se de comer ou fazer isto e aquilo
e pronto, viva feliz, se achando santo e digno”. Religião é tudo isso como
resposta ao “que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a
misericórdia e a fé”. Umas coisas, sem prescindir das outras. Mas o que é mais
importante vem primeiro.
Pra quê serve minha
religião se ela não me molda à imagem e semelhança d’Aquele a Quem adoro? Se
meus gestos automáticos continuam sendo egoístas? Se o sofrimento alheio
continua me sendo indiferente? Se minha atitude no momento em que surge a
oportunidade de servir como Ele serviu muitas vezes é igualzinha à que eu tinha
no tempo em que não O conhecia?
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