CONCEPÇÕES DE GÊNERO NAS TRADIÇÕES RELIGIOSAS.
CONCEPÇÕES DE
GÊNERO NAS TRADIÇÕES
RELIGIOSAS.
A
trajetória da civilização judaico cristã está marcada pela complexa relação
entre gênero e religião, presente desde sua gênese, na qual o “deus criador”
(masculino) foi o responsável pelo surgimento de todas as coisas e criaturas.
Para habitar e preservar toda sua criação, fez a sua imagem e semelhança, um
“ser perfeito”, que recebeu o nome de Adão (homem). Para que este não ficasse
só, foi-lhe retirada parte de sua carne, para criação de outro ser denominado
Eva (mulher); a qual, por sua vez, nasce com a marca da submissão e
dependência. No decorrer da história, esse panorama foi quase sempre
reproduzido, tendo o sexo masculino domínio sob o sexo feminino, e largamente
contribuído para a criação de uma sociedade binária, na qual homens denotavam
ter mais ter mais valor que as mulheres. Exemplo disso foram os diversos
momentos históricos nos quais “eles” obtiveram direitos políticos, sociais e
culturais, negados a “elas” simplesmente por não pertencerem ao universo deles.
Excluídos desse universo foram também aqueles/as que não estavam enquadrados/as
nas características desenhadas pela “imagem e semelhança da perfeição”, que
indicavam algum traço e/ou sentimento diferente daqueles postos para o homem e
a mulher, melhor dizendo, do ser heterossexual.
Poderíamos
estar nos referindo a um passado marcado em sua origem e reafirmado no decorrer
do tempo por uma gênese excludente. Mas o “princípio” que marcou as relações
entre gênero e religião se faz presente na sociedade contemporânea que, contraditoriamente,
tem como uma de suas marcas a busca pelas diferenças. Atualmente, na sociedade
brasileira, presenciamos uma avalanche de discursos e atitudes conservadoras, retrógradas
e preconceituosas sobre a diferença entre os gêneros; estas, quase sempre,
buscam sua fundamentação em fatores ligados as religiões de matriz judaico-cristã.
Gênero
é o estudo que permite estabelecer uma relação equilibrada e própria entre os
sexos. O feminino frente ao masculino e o masculino frente ao feminino. Ao se
analisar tal definição, procurando estabelecer uma conexão com a análise de
gênero desenvolvida anteriormente, nota-se uma imprecisão e uma contradição no
se refere à concepção apresentada porque, contrariamente ao que se afirmou, os
estudos de gênero estão voltados para o aprofundamento da construção e
desconstrução dos papéis masculino e feminino como um elemento constitutivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, sendo que o
gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder e não um
mecanismo que permite estabelecer uma relação equilibrada e própria entre os
sexos. Desse ponto de vista, a categoria indica justamente o contrário. O uso
dessa noção dá visibilidade à construção social do modo de ser mulher e de ser
homem com base na distinção entre o feminino e o masculino. Portanto, valer
dessa análise como explicação das diferenças e desigualdades sociais entre os
gêneros favorece também a desconstrução indicando que o conflito nas relações
mulher-homem deve ser visto com base no paradigma biológico-social empregado
para explicar essas diferenças nos papéis desempenhados por homens e mulheres.
Com
relação à religião, este termo não é uma criação da língua portuguesa, existe
há milhares de anos e em sua significação mais tranquila estimula os indivíduos
à busca de uma re-ligação física/espiritual com a realidade do mistério que
envolve o existir humano: como sua origem e o seu fim, como a morte, a dor, o
sofrimento, a alegria, o silêncio lembrando-nos apenas de alguns destes
mistérios. É necessário mencionar que sua formulação de gênero e religião se
deu de forma desvinculada uma da outra. No relato não aparece, sequer, a
tentativa de articulação das mesmas. Gênero e religião são ainda concepções sem
uma relação precisa e necessitam ser buriladas.
Na
trajetória do cristianismo ou do judeu-cristianismo, ao enfatizar as figuras
sagradas dentro do mundo masculino (Deus, Jesus, Abraão, Moisés, Josué...)
contribui para que as mulheres se entendam como menos sagradas e não escolhidas
por Deus para serem suas representantes; pior ainda, são entendidas como
responsáveis pelas dores do mundo (Eva). Isso gera nas mulheres que crêem numa
baixa autoestima um permanente senso de culpa e de necessidade de que eles (os bons
e escolhidos por Deus) as ajudem a não pecar e a conseguir a salvação. Nos
homens ocorre o processo oposto. Isso resulta numa relação desigual de gênero
como sendo da vontade de Deus.
Pode-se
observar de acordo com a citação acima que a compreensão da socióloga sobre
essas duas noções tem como parâmetro justamente a marca de gênero, ou seja, o
masculino e o feminino na conformação cultural e social dos papéis
desempenhados por mulheres e homens de maneira desigual no que se refere à
experiência do sagrado.
Penso
que a relação entre religião e gênero está situada, na atualidade, num contexto
de revisão das atitudes das religiões considerando as relações mulher/homem.
Diria que estamos carentes de uma hermenêutica [1]que
possibilite a revisão de textos sagrados e palavras mal ditas no decorrer da
nossa história. O papel desta relação gênero/religião consiste, então, numa
abertura da mente e do coração para se pensar diferente os encontros entre o
ser feminino e o masculino.
Nesse
fragmento, é possível identificar nas entrelinhas que se tem clareza da
construção social dos papéis desempenhados por mulheres e homens na
configuração e vivência de uma religião. Constata-se também a disposição para
perceber a necessidade de desconstrução dos referidos papéis. Gênero e religião
é um tema que me remete para o contraditório. Ao mesmo tempo em que a
instituição religiosa aponta valores morais que impõem padrões opressivos às
mulheres e repressivos a todos (a sexualidade, por exemplo, é um campo bastante
fértil para a opressão e controle das instituições religiosas), a religião em
si mesma se revela como uma necessidade humana de transcendência: a
espiritualidade para além do concreto e da realidade pura. É como se fosse um
elemento gerador de novas energias (boas e ruins), capaz de interferir na
criatividade e na capacidade humana de conviver com o contraditório e ou com o
inexplicável. Não tenho dúvida que homens e mulheres vivenciam a religiosidade
de forma diferente, impregnados de sua condição sexual, cultural, social etc.
Referenciada
pela noção de gênero, ela afirma: Não tenho dúvida que homens e mulheres
vivenciam a religiosidade de forma diferente, impregnados de sua condição
sexual, cultural, social, etc. De uma forma quase filosófica ela responde a
questão devolvendo e recolocando de novo, de outra maneira, a pergunta com a
qual foi interpelada: Como homens e mulheres vivenciam a experiência
religiosa? A recolocação do problema abordado instiga a continuar conversando
sobre o assunto, a revisar conceitos, ideias e as referências construídas e
estabelecidas. Sem a pretensão de concluir, dando respostas prontas e acabadas
a respeito dessa relação entre gênero e religião, faz-se oportuno insistir e
retomar alguns elementos que foram enunciados nessa análise e que permitem
recuperar a capacidade criativa de ver, pensar, refletir e analisar gênero e
religião por um ângulo novo. Primeiro, a aposta na redescrição desatou os nós,
teceu uma rede de significados e forjou um caminho no qual é possível encontrar
ferramentas que facilitem a criação de novas expressões, novos vocabulários e
também sejam capazes de inventar uma nova versão de nós mesmos. Isso é o que
aconselha a filosofia pragmatista.
É
no exercício de tecer a rede, de esculpir o mármore, lapidar a palavra para dar
forma a uma invenção que se revela em metáforas que unem os fios para construir
elos e recriar nexos entre o pragmatismo como teoria ad hoc[2] e
o recontar uma história que contempla a relação entre gênero e religião. Os
argumentos podem ser tecidos ou rebordados pelos significados do que se entende
e se vivencia nas experiências religiosas de mulheres e homens compondo um novo
desenho.
O
recurso, as estratégias adotadas neste texto para abordar o assunto revelaram
trilhas que aproximam a noção do sagrado e podem encontrar um ponto convergente
com o que expõe Marilena Chauí (Filosofando 1997, p. 297) quando argumenta: o
sagrado é a experiência simbólica da diferença entre os seres, da superioridade
de alguns sobre outros, do poderio de alguns sobre outros, superioridade e
poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos. A outra
pegada importante é a que se delineia com o último relato no que se refere ao
escancaramento do controle das instituições religiosas sobre a sexualidade e os
corpos das mulheres. Esse tema é crucial, polêmico e deve ser enfrentado pelas
igrejas e pelo movimento feminista. O desafio está colocado.
Em
suma, quando se acha a metáfora, seu uso de acordo com o que já foi mencionado
modifica o comportamento linguístico. Neste sentido, ao alterar esse
comportamento, provocam-se mudanças. Acredita-se que o debruçar sobre as
experiências de mulheres e homens signifique e resulte em novas possibilidades
de construção de uma versão melhor dos gêneros na relação com a religião. Eis
aí uma aposta.
ATIVIDADE:
Em seu caderno, responda:
como homens e mulheres vivenciam a e
[1]
Hermenêutica é uma palavra
com origem grega e significa a arte ou técnica de interpretar e explicar um
texto ou discurso. O seu sentido original estava relacionado com a Bíblia,
sendo que neste caso consistia na compreensão das Escrituras, para compreender
o sentido das palavras de Deus. Hermenêutica também está presente na filosofia
e na área jurídica, cada uma com seu significado.
[2] Ad hoc significa “para esta
finalidade", “para isso” ou "para este efeito". É uma expressão
latina, geralmente usada para informar que determinado acontecimento tem
caráter temporário e que se destina para aquele fim específico.
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